INGRID ESSLINGER *
A chamada “morte domada”.
“ Basta dizer que em algum ponto do tempo, eu me erguerei sobre você, com toda cordialidade possível. Sua alma estará em meus braços. Haverá uma cor pousada em meu ombro. E levarei você embora gentilmente”. (Marcus Zusak- A menina que roubava livros).
Todos nós iremos morrer. Entretanto, apesar da consciência que temos deste fato, o que nos diferencia dos outros animais, passamos a vida negando esta realidade. Nem sempre foi assim. Houve um tempo em que a morte, como bem o aponta Ariès (1977), era familiar, domada e sua presença não causava horror. Os rituais de despedida eram planejados, desejados e as crianças deles participavam… Era a “ morte domada”.
Com os avanços científico/tecnológicos a morte mudou de status: passou a ser vista como presença incômoda, não desejada. Enfim, era a verdadeira inimiga a ser vencida a qualquer custo e banida do cotidiano. Falar sobre ela, as perdas, o luto, passou a ser proibido, gerando o que se convencionou chamar de “conluio do silêncio” ou “mito da mútua proteção”: eu não falo da doença e da morte, você não fala, nós não falamos, a sociedade não fala… Cada um vivencia sozinho sua dor e angústia!
Entretanto, quando ocorre uma doença grave, cujo prognóstico é reservado, a negação não mais se sustenta. Por parte do paciente e familiares, há um choque e por parte da equipe de saúde, é o momento em que o dilema do quê, como e com quem falar da realidade se impõe…
Pensando sobre este momento, faço a seguinte pergunta: a “má notícia” assim se apresenta para quem?
Num primeiro momento, não posso deixar de assinalar que é um choque para a equipe de saúde, notadamente para o médico o qual terá que comunicar o diagnóstico. Médicos não são formados, ou muito pouco, para a comunicação de más notícias. No decorrer de uma doença grave, há três momentos que considero cruciais: o momento da confirmação do diagnóstico, o momento da recidiva e/ou agravamento da doença e o momento de aproximação da morte.
Embora não haja receitas, existem algumas estratégias que podem ajudar em momentos tão delicados quanto estes (Paes, 2012):
– Prepare-se para comunicar: escolha um local que garanta a privacidade, não interrupções e, sobretudo, reserve tempo para a conversa.
– Faça perguntas abertas com o objetivo de descobrir aquilo que o paciente e/ou familiar sabem ou intuem. Prestar atenção nos aspectos não verbais da comunicação é fundamental. Segundo Caponero (2015), estudos mostram que no processo comunicativo, apenas 7% dos pensamentos (das intenções) são transmitidos por palavras, 38% por sinais para linguísticos (entonação da voz, velocidade com que as palavras são ditas) e 55%, pelos sinais do corpo. Ao fazer perguntas, é importante não antecipar as respostas, pois este é um aspecto muito prejudicial à boa comunicação.
– Compartilhe a informação com tom suave, mas firme. Preste atenção no vocabulário utilizado evitando termos complicados e que podem gerar insegurança no paciente. Procure ser claro e dê detalhes suficientes para que o receptor compreenda o que está sendo dito.
– Procure estabelecer pausas dando ao paciente, oportunidade de trazer suas dúvidas, angústias e fantasias.
– Permaneça junto ao paciente.
– Planeje o passo seguinte do como cuidar do paciente. Fale sobre sintomas, prognóstico, tratamento…
Ao colocar em prática estas estratégias estará respeitando princípios básicos da bioética, notadamente a autonomia do paciente. Como este poderá exercer sua autonomia quando não bem informado?
Vale considerar que para uma boa comunicação o profissional de saúde precisa considerar paciente e família como unidade de cuidados. A família também precisa ser ouvida, acolhida, informada (sempre considerando aquilo que o paciente autoriza compartilhar).
A boa comunicação deve ser facilitadora da expressão da dor daqueles que estão passando por um momento de crise gerada por uma doença grave. Entretanto, algumas habilidades podem ser aprendidas, outras, não. Estar junto ao paciente não é “apenas” uma questão de razão, mas também, “de coração”.
Para tanto, a equipe de saúde terá que enfrentar seus próprios medos e “fantasmas” com relação à morte e o morrer.
Caso contrário, nenhuma destas estratégias será eficaz. Empatia, atenção, estar disponível e verdadeiramente interessado são requisitos fundamentais para que pacientes e familiares se sintam ouvidos, confortados, valorizados, seguros, respeitados! É preciso fazer a pergunta: quem é esta pessoa que está a minha frente?
Quando se trata de caminhar no vale das sombras não há trilhos, há trilhas! Aliás, como em qualquer situação da vida!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Ariès P. História da morte no Ocidente – Rio de Janeiro – Francisco Alves, 1977.
2. Caponero R. A comunicação médico / paciente no tratamento oncológico. Um guia para profissionais de saúde, portadores de câncer e seus familiares. São Paulo, MG Editores, 2015.
3. Esslinger, I. De quem é a vida afinal? Descortinando os cenários da morte no hospital. São Paulo, Casa do Psicólogo/Loyola, 2004.
4. Paes MJ, de Araújo MMT. Comunicação em Cuidados Paliativos. IN: Manual de Cuidados Paliativos – ANPC- Porto Alegre, Sulina, 2012.
* Ingrid Esslinger é doutora em Psicologia (USP). Foi uma das fundadoras do Laboratório de Estudos sobre a Morte do Instituto de Psicologia da USP, onde atuou por oito anos. Integra os Comitês de Bioética e de Transplantes Intervivos do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, com atividades consultivas e educativas. Atua em consultório com formação em Terapia de Casais, Família, Psicodinâmica e Cuidados Paliativos. Coordena o curso de extensão em Perdas e LUTO DO CEFATEF. Autora de livros e artigos na área de perdas, morte, luto e bioética.